PAI E FILHO



              O jovem seminarista foi até a casa do velho bispo, chamado por este. Sentaram-se ambos à varanda, olhando a noite quente, sem falarem muito. Geralmente era assim que se encontravam. O seminarista sabia que o seu bispo necessitava mais de companhia do que de palavras.
                Como sempre, o idoso oferecia um bom vinho, mas o jovem, que não bebia, recusava, aceitando, no entanto, refrigerante, suco ou mesmo água.
                Naquela noite, o bispo, olhando para um cigarrete que fumava, disse ao seminarista, após longo silêncio de contemplação do infinito:
              - Quando eu era jovem, na Alemanha, meu pai, em algumas noites quentes em que ficávamos na varanda de casa nos refrescando, dava-me um cigarrete como este e ambos fumávamos juntos. Eu sentia aquilo como um rito de passagem para a idade adulta, como não fosse eu mais uma criança, mas um homem.
                E silenciou, seus olhos perdidos na noite escura.
             O jovem entendeu então o que devia fazer. Ele, que não fumava, pediu ao idoso um cigarrete daqueles. Os olhos do bispo iluminaram-se. Estendeu a caixinha para o seminarista, que pegou um e acendeu, fumando vagarosamente junto com o bispo.
             Ao terminarem, o bispo olhou para o seminarista e lhe disse:
                - Muito, mas muito obrigado mesmo.
           Um gesto tão simples e um elo de pai e filho os acompanhou por toda a vida.

UMA HISTÓRIA PORTUGUESA


            Eu tinha sete anos. E apesar de se terem passado mais de trinta anos, lembro-me daquele dia em detalhes.
            Logo pela manhã, papai colocou-me no carro e, sem me dizer aonde íamos, dirigiu longo tempo em direção ao Alentejo, de onde era originário, parando na área rural de Elvas.
            O sítio no qual parou era um criadouro de ovelhas.
            Após descer do carro e cumprimentar o proprietário, disse-me:
            − Escolha uma!
            Fui colocado em um cercado com dezenas de ovelhas ainda novas. Enquanto papai conversava com o criador das ovelhas, fui brincando com elas e acabei por me afeiçoar a uma em particular, que brincava comigo forçando sua cabeça contra meu corpo.
            Quando papai perguntou-me qual eu havia escolhido, não tive dúvidas e apontei a minha preferida.
            Pensei que a levaria para casa, mas papai combinou com o proprietário para que a entregasse no sábado seguinte em casa, completando:
            − Domingo é aniversário aqui do miúdo!
            Chegado o domingo, à hora do almoço toda a família posta à mesa, mamãe entrou na sala de jantar com uma grande travessa com um assado. Os convidados aplaudiram. Papai, então, disse-me:
            − Eis a ovelha que escolheste!
            Naquele dia decidi-me a ser vegetariano. E descobri que o amor às vezes pode ser perigoso.


UMA HISTÓRIA DE CEMITÉRIO



As duas velhinhas eram irmãs. Uma, solteira. A outra, viúva. Tinham por hábito ir, todos os sábados à tarde, ao cemitério para limpar o túmulo da família e ali depositar flores. Depois desse serviço, passeavam pelas alamedas entre túmulos, observando as lápides, as fotos, as datas, imaginando histórias.
Próximo ao túmulo familiar havia um, todo em mármore, repleto de fotos, principalmente de jovens.
Passou a ser comum verem, diante daquele túmulo, um rapaz que permanecia longamente observando as fotos e orando, encerrando a visita com um sinal-da-cruz sobre traçado sobre si.
Nunca o rapaz dizia algo. Um dia, porém, ao chegar avistou as irmãs e, timidamente, cumprimentou-as com um leve aceno de cabeça. Na outra semana, ao reencontrarem-se, as irmãs tomaram a iniciativa de desejar ao jovem boa tarde. Tempos depois, um comentário sobre o tempo. Enfim, passaram a conversar.
As irmãs souberam que os jovens cujos retratos ornavam o túmulo de família do rapaz eram irmãos e primos mortos ao longo de anos de uma guerra entre famílias.
As irmãs ouviam a história de cada um daqueles mortos, mas tinham grande alegria em também falar dos seus.
Em certo sábado, o rapaz não apareceu, nem no outro, nem em várias semanas seguintes, fazendo, assim, com que as irmãs o fossem esquecendo.
Em um dos passeios pelo cemitério, após arrumarem as flores no túmulo recém-limpo, deteram-se no túmulo da família daquele rapaz. Foram olhando as fotos e datas, comentando entre si o que lhes vinha à mente.
De repente, a surpresa. Entre tantos retratos de jovens, lá estava o do rapaz que não mais aparecera.
A partir de então, todos os sábados passaram a colocar uma flor presa ao retrato. E aos familiares e amigos tinham uma nova história de cemitério para contar.