A SEMENTE

O homem preparou como sempre o seu café-da-manhã, lavou a pouca louça que usara e foi ao banheiro escovar os dentes. Andando com certa dificuldade, devido à idade, pela pequena quitinete em que vivia, parou frente ao espelho e mirou detidamente a imagem envelhecida que retribuía seu olhar.
Lembrou-se de décadas atrás, quando uma imagem jovial e sonhadora, com olhos vivos e brilhantes, refletia-se nos espelhos. Sentindo-se triste e vazio, perguntou-se o que havia saído errado em sua vida, para terminar assim, velho e sozinho, sem os mil sonhos de sucesso. Havia então todo um mundo aberto à sua frente! Todos acreditavam tanto em seu futuro, ele mais que todos!
Abriu uma gaveta da estante da sala e retirou um saco com muitas correspondências e cartões postais, nenhuma com data recente. Folheou as cartas, deteve-se em algumas e em alguns cartões. Pegando um envelope, sentiu, com as pontas dos dedos, um pequeno relevo em seu interior. Abrindo-o bem e virando-o sobre a palma da mão, caiu uma semente. Perguntou-se o que ela estaria fazendo ali. Abrindo a carta que havia dentro do envelope, leu-a e recordou-se de um grande amor que viajara para a Europa e lhe mandara aquela semente de uva para que ele a plantasse. Esse amor havia morrido, a semente continuava guardada sem ter sido videira e sem ter dado fruto e ele...
Ele chorou amargamente, pois fizera com sua vida o mesmo que havia feito com aquela semente.
Pensou em plantá-la após tantas décadas, mas desanimado guardou-a no envelope, recolocou tudo no saco e devolveu-o à gaveta.
Olhando pela janela, seus olhos opacos fitavam o horizonte, desesperançados.

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